O GIFI – Associação Portuguesa para a Investigação encontra-se, deliberadamente, numa posição de charneira entre as visões cépticas e o universo da crença.

Não pretendermos, de modo algum, colocar em causa, criticar ou escrutinar crenças alheias que, antes de mais, respeitamos, mas sim afastar, tanto quanto possível, as nossas próprias crenças individuais do processo de raciocínio desenvolvido durante a investigação.

Trabalhamos segundo os métodos da ciência, mas recusamos a “crença na ciência”.

Na sociedade contemporânea a ciência desempenha um papel de relevo, funcionando muitas vezes como o garante da veracidade de determinados acontecimentos e fenómenos, implicando naturalmente que tudo o mais seja relegado para o amplo campo da imaginação e da crença humanas.

No entanto, devemos ser críticos relativamente a essa tendência natural. Uma explicação científica vale o que vale, no contexto em que é dada.

A ciência tem a sua linguagem própria, a sua forma particular de explicar a realidade, sendo que muitas vezes só se encontra acessível ou, o que é mais relevante, apenas é compreensível para uma pequena minoria. Mais, trata-se de um vasto acervo de conhecimentos de grau de evolução variável, consoante as áreas científicas que se encontram em causa, com abordagens globais, sectoriais ou monográficas. Corresponde-lhe, portanto, um conhecimento totalmente caracterizado pelo seu carácter efémero, pois cada evolução gera novas questões, bem como a superação de resultados anteriormente aceites.

A vanguarda do conhecimento convive permanentemente com o insólito, ampliando-se e ampliando-o conforme desbrava os vastos domínios do desconhecido.

Embora reconheçamos o inegável valor do método científico e do conhecimento que dele efectivamente resulta, entendemos que se deve manter o espírito crítico, pois quando nos aproximamos dos limites da ciência, num dado momento histórico, facilmente somos confrontados com as insuficiências do conhecimento positivado.

A aplicação do método científico a fenómenos mal conhecidos, particularmente quando o cerne destes reside em meras impressões subjectivas de alguém ou quando, de alguma forma, o objecto de estudo se encontra pré – contaminado pela crença (popular ou erudita), suscita particulares dificuldades metodológicas e aumenta exponencialmente o risco de se produzirem tentativas de explicação que mais não são do que pseudociência.

Com efeito, quando nos confrontamos com fenómenos que resistem ao seu enquadramento no campo do actualmente explicável, somos normalmente confrontados com dois tipos de abordagens: as que tomam como fundamento primeiro a sua inexplicabilidade, remetendo-nos para o sobrenatural, e as que apostam na possibilidade de efectiva explicação do fenómeno, ainda que nos limites da ciência, isto é, do conhecimento efectivamente disponível.

A nossa sociedade, ao menos em termos públicos, tende a valorizar cada vez mais a segunda via de abordagem do mistério, em detrimento da primeira, o que constitui, de facto, o caminho pelo qual o GIFI desde sempre optou.

No entanto, a verdade é que se recorre demasiadas vezes ao método e a técnicas científicas para apresentar pseudoexplicações, que não passam, quanto muito, de hipóteses de trabalho por demonstrar.

Caso nos encontremos bem inseridos no meio académico e gozando de uma razoável popularidade, é fácil fazer passar essa pseudociência por conclusões científicas sustentáveis, particularmente se se contar com o adequado acesso aos meios de comunicação social, o que, naturalmente, é exponenciado pelo recurso à Internet e o actual predomínio das redes sociais.

Volvidas duas décadas no nosso século, o conceito e os entendimentos quanto à Realidade basicamente implodiram, estilhaçados pelo egoísmo das teimosas visões individuais ou de grupo, rudemente ameaçados pelas fake news, feitas verdades absolutas numa fracção de segundo.

Como acima se disse, é necessário transcender o positivismo bafiento – oriundo, como tantos outros males do pensamento contemporâneo, do oitocentismo ocidental-, na busca de uma visão mais ampla e progressiva da ciência, simultaneamente mais aberta ao mistério e às maravilhas da imaginação humana. Há, também, que resistir ao subjectivismo de uma realidade totalmente virtualizada, que inevitavelmente inibe a fixação de qualquer conhecimento sólido e partilhável.

O GIFI entende que o combate à pseudociência passa essencialmente por uma postura de humildade e persistência, que nos possa impulsionar a voltar ao princípio tantas vezes quantas for necessário, a trabalhar por tanto tempo quanto o objecto de estudo o exija, até que, efectivamente, do método resulte a demonstração e desta uma conclusão que mereça tal designativo, por razões de rigor e de objectividade.

Mas também não baixamos a guarda no que se refere à desmistificação do que não corresponde a algo assumível como integrando a realidade, seja por ingénuo ou desinformado erro de interpretação, seja por malévola tentativa de justificação de posições ou crenças próprias, seja pela pura e simples indiferença quanto à Verdade, que vai assaltando paulatinamente a sociedade dos nossos dias.

Clarificada a posição de fundo da nossa associação, valerá ainda a pena sublinhar que esta predisposição científica não nos retira a capacidade para sonhar, o gosto pelo maravilhoso e pelo fantástico. Há toda uma extraordinária cultura popular, tradicional e contemporânea, toda uma dimensão da história, da geografia e dos seres míticos, que permanentemente desperta a nossa atenção.

Certo é, porém, que o lugar do sonho e o do facto são diversos e não directamente comunicáveis. Apenas há, portanto, que saber não confundir a nuvem com Juno…

GIFI, Junho de 2021