O resultado de quase quarenta e cinco anos de investigações conduziu-nos ao Homem, como objecto principal do nosso estudo, sendo que nesta antropologia – se é que assim lhe podemos chamar – a magia surge como um elemento definidor do percurso humano, um traço distintivo ancestral que teima em ressurgir a superfície, mau grado a espectacular evolução do conhecimento humano durante os últimos dois séculos e, particularmente, na sequência da 2ª Guerra Mundial.

A ortodoxia do pensamento, na sociedade em que nos inserimos, ensina-nos que o pensamento mágico é algo de ancestral, próprio do homem primitivo e das suas superstições, que ao longo dos séculos foi paulatinamente ultrapassado pela religião e pela ciência. Assim sendo, perdurará apenas nas sociedades primitivas contemporâneas e entre os ignorantes.

Mas será de facto assim ?

Correndo o risco inerente à simplificação e generalização de matérias que, obviamente, merecem análise e debate mais profundos, valerá a pena tomar o positivismo do século XIX como um primeiro ponto de referência para a nossa reflexão. Com o progresso, a ignorância haveria de dar lugar a um realismo absoluto, que sob a luz magnânima da ciência e através dos benefícios da técnica permitiria ao homem livrar-se das cangas ancestrais inerentes a crença e à superstição.

Mais, previa-se com total optimismo que rapidamente o conhecimento científico positivo tudo explicaria, não restando margem, sequer, para o desconhecido e para o mistério.

Contudo, o positivismo e demais excessos racionalistas de novecentos são eles próprios, antes de mais, a fonte principal do que denominamos como “crença na ciência”, fautora de novos obscurantismos, capazes de pseudo fundamentar múltiplos subjectivismos encobertos pelo sacrossanto manto da ciência.

No próprio contexto do positivismo surge uma obra chave para a nossa temática, “O Livro dos danados” de Charles Forti, cuja edição original data de 1919. Trata-se, essencialmente, de uma resenha de factos insólitos e, eventualmente, misteriosos, colhidos de forma algo anárquica e acrítica, através de fontes diversas e de relatos da comunicação social. Esclareça-se que sendo os danados os excluídos, o autor teve em vista na sua obra o que define como a “… procissão dos dados que a Ciência excluiu.”ii.

De toda a forma, os fortianos – que ainda hoje existem iii– procuram revelar e elencar várias categorias de anomalias que consideram factuais, capazes por um lado de demonstrar que nem tudo o que ocorre neste mundo se reduz à rotina quotidiana, bem como, por outro lado, de revelar estar-se em presença do que Fort considerava dados demonstrativos da existência de outros mundos, vizinhos do nosso, dos quais naturalmente decorriam fenómenos que na terra consideramos anómalos.

Exactamente no fecho da década de 50 do século passado, Louis Pawels e Jacques Bergier publicaram uma outra obra fulcral para esta temática e para o estudo nas fronteiras da ciência, “O despertar dos mágicos”iv. A importância deste livro reside, quanto a nós, no facto de transcender com particular acutilância a crítica ao positivismo que acima sumariamos, enunciando de forma determinada a necessidade de contarmos com os domínios do mistério, do mágico, do oculto como elementos determinantes da natureza humana, exigindo, portanto, particular atenção por parte dos cientistas.

Em “O Despertar dos Mágicos” Pawels e Bergier, muito embora partindo de uma base semelhante – “Repito: o fantástico, a nossos olhos, não é o imaginário.”v -, vão mais longe que Fort, procurando demonstrar com base em múltipla documentação e dados factuais que o misterioso, o oculto, o esotérico, o mágico, não se resume a anomalias fortianas que, aqui e ali, interferem com a nossa realidade positiva, antes constituindo uma constante dos indivíduos e grupos humanos – da sua consciência e da sua acção-, que procuram (e que sonham) alcançar sempre mais longe do que o conhecimento científico positivado em cada momento permite desvendar.

Redescoberto o “espírito mágico”, os autores interrogam-se se naquela segunda metade do século XX estariam a começar a surgir as evidências de uma nova humanidade, de uma mutação do homem que conduzisse a um outro estádio do conhecimento, muito para além da ciência positiva. Vão ainda mais longe, colocando a hipótese desses novos homens já se encontrarem ocultos, mas disseminados, na sociedade coeva, organizados em grupos secretos – a Rosa Cruz, dizemos nós, que desde o século XVII seria exactamente isso, ao menos para determinadas correntes esotéricas.

Independentemente da resposta a esta questão, é certo que foi esta a matriz que definiu o essencial dos estudos de fronteira até aos anos 80, período a partir do qual começou a pesar como nova pseudociência muito de quanto se disse e escreveu acerca dos OVNI, da primi-história e seus “deuses astronautas”, da parapsicologia e assim por diante.

Ressurgiu então, no âmbito dos estudos de fronteira, um novo cepticismo, consciente de quanto o mistério, enquanto fenómeno, é raro, mas determinado na recusa de um neopositivismo que nos fizesse regressar a um cientismo castrador. Foi essencialmente nesta linha que o GIFI, precocemente, se integrou.

Valerá a pena regressar a Jacques Bergier, que numa outra obra – “Os extraterrestres na história”, originalmente editada em 1970 – deu um passo em frente muito curioso, ao afirmar “Não creio absolutamente nada em discos voadores …”vi. Chocando, desta forma, a visão ainda essencialmente materialísticas e, diríamos, inconscientemente positivista da maior parte dos cultores do insólito, Bergier abre a porta a uma outra visão do Universo e, assim, da explicação das anomalias, remetendo para a comunicação (e as viagens) por teletransporte, através de “… partículas ou radiações que se propaguem a velocidade praticamente infinita…” para que se pudesse “… enviar sinais de um extremo a outro da galáxia e talvez mesmo a outras galáxias.”vii.

E hoje, ainda há mistérios ?

É bem certo que o digital constitui apenas um meio para fazer de novas formas coisas tão velhas como o mundo, ainda que, como se sabe, muito mais barato e de forma exponencialmente mais rápida. A revolução da informação não criou um novo mundo, antes concedeu-nos novos meios e uma inédita democratização dos mesmos, com uma amplitude nunca antes vista. Globalizou, de facto, a existência humana, a todos os níveis.

Contudo, é verdade, que esta revolução trouxe consigo fenómenos muito perturbantes para o nosso tema, ao menos aos olhos de quem, como nós, somos anteriores à revolução digital ou, pelo menos, à generalização dos seus efeitos.

Como discutir facto e mistério, prova e aparência, a realidade e a sua ampliação no contexto tecnológico actual ?

Acresce que a disponibilidade permanente de câmaras de vídeo e de fotografar, em qualquer local, permite nos nossos dias retractar e divulgar mundialmente factos em escassos segundos, muitas vezes em directo.

O “olho que tudo vê” das câmaras de segurança de uso generalizado, o “repórter em cada esquina” que é o cidadão dos nossos dias, armado do seu smartphone, sempre presente nas redes sociais, tornam evidente que por esta via não passámos a dispor de um manancial adicional e relevante acerca das anomalias, do insólito, exigindo antes que renovemos a conclusão – que há tantos anos sustentamos – no sentido de que o efectivamente misterioso, o desconhecido é raro, talvez raríssimo.

Não foi, pois, a generalização destes meios tecnológicos que permitiu, nestes últimos anos, avançar decisivamente na revelação de fenómenos, ditos insólitos, que há tanto tempo excitam a curiosidade e a imaginação humanas. O mistério contínua a iludir a técnica e, para mais, a verdade digital é de tal forma plástica que verdade e sonho, objectivo e subjectivo, se vão confundindo a cada dia que passa, gerando uma realidade multiforme em permanente mutação.

Os interessantíssimos documentos revelados nos últimos anos pelos militares norte-americanos confirmam, de novo, essa raridade: 143 relatos obtidos desde 2004, dos quais 21 são considerados fenómenos desconhecidos, 18 correspondendo a ocorrências que parecem revelar tecnologia que os EUA não detêmviii.

Se o positivismo não logrou tudo explicar, se o universo teima em não se reduzir ao facto, se igualmente o evoluir do conhecimento e da técnica colocada ao dispor da população mundial também não permitiu, ao menos decisivamente, abrir-nos vias de acesso, claras e inequívocas, para fazer luz sobre as anomalias e os mistérios, afinal onde nos podemos situar ?

Verdade ou fantasia, uma certeza, porém, nos assalta, na feliz expressão recente de um amigo nosso, em conversa sobre estes temas: sem pensamento mágico o Homem seria incapaz de evoluir, não haveria criação, nem arte. Será isto porventura – e não certamente a racionalidade – que nos distingue dos animais e que, portanto, em última instância, nos qualifica como Homens.

Lisboa, 27 de Junho de 2021