A propósito dos balões-espiões, chineses ou de proveniências diversas, uma reflexão pessoal – pois não corresponde necessariamente à opinião do conjunto dos membros do GIFI – sobre os mistérios atmosféricos, que, ainda assim, nem sempre correspondem a OVNI (ou, em termos mais modernos) UAP.

De Roswell aos foo-fighters, de Kenneth Arnold … a Vila Real de Santo António, dos anos 40 do século passado à actualidade, passando por Portugal logo depois de terminada a guerra fria, engenhos militares secretos, balões discretos e outros objectos voadores, nem sempre identificados, constituem uma linha de força especialmente relevante dos anais da ovnilogia.

 

Pedro Basto de Almeida

 

O autor, natural de e residente em Lisboa, licenciado em Direito e Advogado, é membro fundador e dirigente do GIFI.

As recentes notícias sobre os balões-espiões chineses trouxeram à tona um tema antigo na ovnilogia, o qual – mais do que a confundibilidade entre balões e OVNI – se reporta a saber se algumas observações poderão ser explicadas pela operação de engenhos militares, secretos ou, pelo menos, discretos.

Claro está que a primeira coisa a tomar em consideração é que o segredo faz, obviamente, parte integrante da actividade militar, bem como, aliás e de forma mais ampla, de múltiplos segmentos da actividade dos Estados, incluindo de forma assaz natural a diplomacia e a acção dos organismos de inteligência, ditos vulgarmente serviços secretos. Ora, não podemos razoavelmente esperar que quem faz da sua actividade o segredo, venha depois funcionar candidamente como agência de informação pública, menos ainda quando se suscitam questões quanto à segurança nacional ou quando os temas são especialmente controversos, como é o caso do fenómeno OVNI.

Inútil é, portanto, discutir bravamente se as agências governamentais poderão dispor de informações sobre o fenómeno OVNI, criticando o facto de que não as trazerem a público. As mais das vezes, é da natureza dessas mesmas organizações não comunicarem publicamente os dados de que dispõem – acerca deste ou de quaisquer outros temas. Ainda assim, muito em particular nos regimes democráticos, há outras formas de tornar pública essa informação, seja através da sua desclassificação, isto é, por decisão das próprias estruturas públicas, seja pela exigência da revelação de tais dados por grupos de cidadão, sempre que tal tenha cabimento legal, seja, também, por intersecção dos sistemas de supervisão e regulação dos organismos públicos, pois, naturalmente, nos países livres nem os espiões podem mover-se fora do Império da Lei.

Um exemplo recente, algo curioso, resulta do “Intelligence authorization act for fiscal year 2023”, aprovado pela Câmara dos Representantes do Congresso norte-americano a 31 de Outubro de 2022, que na sua página 90 determina o seguinte:

Section 716. Comptroller General of the United States compilation of unidentified aerospace-undersea phenomena records

Section 716 directs the Comptroller General to review, compile, and prepare a public report on historical information in the possession of the Intelligence Community that could help explain unidentified aerospace-undersea phenomena (UAPs).    

Ou seja, os parlamentares do EUA, no âmbito da actividade do organismo governamental de responsabilização, determinaram a produção de um relatório público – cá está, trazer ao conhecimento dos cidadãos algo que em princípio, funcionalmente, ficaria no segredo dos gabinetes – sobre a informação histórica detida pelos organismos de inteligência que possa ajudar a explicar – bendito pragmatismo dos anglo-saxónicos – os UAP (os nossos tradicionais OVNI, no acrónimo moderno que, há que assumi-lo, se afigura cientificamente muito mais rigoroso que a nossa expressão habitual, a que afectivamente continuamos a recorrer).

Em conclusão, os Estados tendem a não revelar a informação de que dispõem sobre os OVNI, mas os mecanismos democráticos são adequados para motivar essa divulgação, sempre que o interesse público, adequadamente interpretado, o permite e justifica.

Mas a actividade dos Estados gera, ela própria, potenciais OVNI, muito em particular no âmbito militar, de inteligência e / ou de segurança interna, nos quais o secretismo encontra – fundamentadamente ou não – ampla justificação.

Uma das hipóteses de trabalho básicas (e históricas, desde os primórdios da guerra fria) para explicar os OVNI ou, pelo menos, algumas de entre as observações relatadas, é a os engenhos militares secretos e experimentais.

Projecto Mogul

(“UFO, the government files”, Peter Brookesmith, Barnes & Noble, New York, 1996, página 154)

Nem vale a pena tecer muitos comentários, por se tratar de assunto do conhecimento comum, dada a extensa notícia que tem merecido ao longo das décadas – nem sempre pelas melhores e mais edificantes razões -, mas a verdade é que o famosíssimo incidente de Roswell encaixa que nem uma luva nesta categoria, começando pelo facto da explicação oficial que veio a ser apresentada à comunicação social, logo na ocasião, ter sido a de que os supostos restos do disco voador despenhado mais não seriam do que partes de um balão-sonda meteorológico e de um RAWIN (um reflector de radar), militares. Mas o que não será tão conhecido pelo púbico não especialista é que uma das mais prováveis explicações para o ocorrido terá sido a queda de um balão do Projecto Mogul[i], uma iniciativa secreta das forças armadas norte-americanas para registar os sinais das experiências atómicas dos soviéticos, sendo que nesta linha de raciocínio o passo seguinte é o de se considerar que a notícia pública da queda de um disco voador seria, ao menos à data, uma das melhores formas para ocultar da visão do público o despenhamento de um engenho militar secreto,  o qual, esse sim, era vital que permanecesse desconhecido. Uma operação de desinformação, na qual o suposto OVNI é um espantalho que se oferece à curiosidade pública, de seguida apaziguada pelo banal e desinteressante balão-sonda meterológico.

(Filipe Abranches, arquivo GIFI, início do anos 80)

Em 1947, cerca de dois anos após o final de segunda guerra mundial, o terreno estava fértil para os mistérios atmosféricos. A 24 de Junho verifica-se a observação de Kenneth Arnold (nas montanhas Cascade, Estado de Washington, EUA), durante a qual este empresário e piloto amador vê a partir do seu avião, em voo, uma formação de nove objecto brilhantes voando a grande velocidade, que descreveu como deslocando-se “like a saucer would if you skipped it across the water”. Cá estão os discos voadores – fliyng saucers – trazidos rapidamente a público pela comunicação social. E cá temos Rosweel, logo nos primeiros dias de Julho de 1947. Ainda falamos nós hoje de velocidade na circulação da informação, no nosso mundo digital…

 

(Filipe Abranches, arquivo GIFI, início do anos 80)

 

Já durante a segunda guerra mundial, particularmente após 1943, as observações de bolas luminosas desconhecidas, tidas geralmente como engenhos pertencentes ao inimigo, de carácter secreto e / ou experimental – os também famosos foo fighters – tinham deixado registo[ii]. Admite-se que a explicação para o observado sejam bolas de plasma ou raios globulares, fenómenos atmosféricos raros e que ainda suscitam dúvidas à ciência, mas na verdade a nota que nos fica uma vez mais é essencialmente a do cruzamento dos mistérios atmosféricos com os – reais ou imaginados – engenhos militares secretos.

Parece haver dados muito sólidos para concluir que boa parte das teorias conspirativas da ovnilogia abordam o tema pelo lado errado, pois é bem provável que no contexto bélico dos meados do século XX, as entidades públicas tenham usado de forma recorrente o fenómeno OVNI para ocultar actividade confidencial, exactamente no sentido inverso da comum acusação conspiracionista de estarem afanosa e malevolamente a esconder dos cidadãos a informação de que alegadamente disporiam sobre actividades extraterrestres. Muitas vezes para tentarmos compreender o que se passa é mais importante compreender o que é deixado na sombra, do que observar o que deliberada e insistentemente é colocado debaixo dos holofotes.

Já em meados dos anos 70 Jacques Scornaux e Christiane Piens sustentavam que não fazia sentido os OVNI serem engenhos militares secretos (os verdadeiros OVNI, claro está, os efectivamente inexplicados), não só porque uma nova arma, em fase de experimentação, nunca seria utilizada sobre território inimigo, dado o risco de cair e ser apropriada pelo outro lado, como também, principalmente, por que se as potenciais da época tivessem engenhos com as capacidades descritas nas observações de OVNI, nenhum sentido faria continuarem a lançar pesados e ineficientes foguetões, para efeitos da operação das Apollo e Soyuz[iii].

Diríamos bastante mais: quem em plena guerra fria tivesse ao seu dispor engenhos voadores com as capacidades de operação atribuídas aos OVNI, não só o teria revelado, como logo exigiria a rendição do opositor, sob pena de fazer as suas forças armadas em estilhas. A superioridade tecnológica que estaria em causa, seria simplesmente avassaladora para qualquer dos concorrentes dessa potência.

E depois da guerra fria, o nosso tema perdeu sentido ? Bem, a verdade é que mesmo em Portugal, pouco depois de caída a União Soviética os estranhos engenhos voadores continuavam a fazer as suas aparições.

Na noite de 30 de Outubro de 1991, um grupo de taxistas encontrava-se junto aos seus carros, estacionadas na praça de táxis situada junto à zona fluvial, quando veem uma forte luz branca sobre o rio Guadiana, vinda dos lados de Espanha. Uma grande asa, escura, passa lentamente e sem ruído sensível mesmo por cima dos homens, seguindo sobre a cidade na direcção da EN 125. Pouco mais de 3 quilómetros adiante, o engenho passa mesmo por cima de uma casas em Aldeia Nova, assustando alguns dos residentes, seguindo depois para sudoeste, a baixa altitude e velocidade moderada, fazendo apenas o que algumas testemunhas descrevem como um “som ligeiro”.

Operação absolutamente fora de comum, para uma aeronave, mas o facto é que – sabe-se lá porquê – esta parece ter feito, tudo o leva a crer, uma aproximação a um campo de aviação civil, em terra batida, que na altura se encontrava – mais ou menos ao abandono – na área plana após o sapal e mesmo por trás das casas da Aldeia Nova, que ladeiam a EN 125, abandonando a aparente intenção de aterrar e voltando a ganhar alguma altitude, para depois seguir numa diagonal em direcção à linha de costa.

A observação durou cerca de 3 minutos, da perspectiva das pessoas que se encontravam em Aldeia Nova.

(Arquivo GIFI, notas de investigação de campo, 1991)

À época, pouco após primeira guerra do Golfo, a Força Aérea Portuguesa respondeu aos jornalistas do “Correio da Manhã” esclarecendo não ter havido detecção radar conhecida, mas mencionando expressamente o caça-bombardeiro F-117, como exemplo da capacidade de iludir os radares de alguns dos aviões militares, à data, mais modernos. A descrição das testemunhas aproxima-se mais, em nosso entender, de um B-2, bombardeiro igualmente ilusivo da detecção por radar, mas cuja forma de asa voadora mais se assemelha ao incomum e escuro aparelho avistado na noite algarvia.

Complicando um pouco mais as coisas, registe-se que o aparelho voador observado nesta ocasião apresentava um intenso foco branco de aterragem, bem como as canónicas luzes vermelhas e verdes (algumas testemunhas descrevem-nas como azuis) nos extremos das asas. Iluminação típica de um avião em operação normal, mas pouco compatível com um voo stealth, o que implica admitir que se tratasse de um simples voo militar de treino, que por razão ainda hoje desconhecida realizou estas inusitadas manobras nas imediações de Vila Real de Santo António.

Diríamos que entre a estranheza de um OVNI e a de se avistar um B-2 em operação discreta nos céus portugueses, com uma bizarra aproximação e subsequente “borrego” face a uma quase-pista de aviação, vá o diabo e escolha.

Os mistérios com engenhos militares, manifestamente, insistem em misturar-se e confundir-se com outros OVNI !

Mas regressemos, para terminar, aos balões-espiões.

Na verdade os balões não regressaram à ribalta apenas com as notícias do início de Fevereiro de 2023 acerca do balão chinês, alegadamente espião, que a força aérea norte-americana abateu após largo percurso nos céus canadianos e dos EUA.

De uma consulta genérica, mas orientada, através de motor de busca, resultou rapidamente a constatação de já em Agosto de 2019 tinha noticiado o “Guardian” que o Pentágono iria testar balões de alta altitude para efeitos de vigilância, no midwest norte-americano. Quase um ano depois, já em plena pandemia, em Julho de 2020 a “Forbes” dava conta do projecto da Loon, empresa irmã da Google, de proporcionar Internet 4G a partes remotas do Quénia através de balões posicionados a quase 20.000 metros de altitude. Pouco depois, eEm Agosto de 2020 chegava a notícia (C41SRNET) de que o Reino Unido iria utilizar tecnologia norte-americana, para dispor de balões de alta altitude para fins de vigilância e reconhecimento. Mais recentemente, em Julho de 2022, o tema era o uso de balões de alta altitude para monitorizar (i.é., espiar, claro) a Rússia e a própria China.

O recurso a balões é bastante barato, pelo menos quando comparado a outros tipo de aeronaves, sendo que a grande altitude o balão pode permanecer operacional durante largo período, sem as limitações e os custos inerentes ao abastecimento de combustível, sendo que nos nossos dias a capacidade de o fazer permanecer em voo mais ao menos controlado, tanto propositadamente arrastado pelas correntes atmosféricas, como relativamente controlado em termos de geolocalização, pela intersecção com as camadas estratosféricas, se vai desenvolvendo paulatinamente.

Não tripulado e, se for o caso, controlado à distância, também no que se refere ao pessoal o balão destaca-se pela sua probidade.

E contudo. Também temos notícia muito recente de um balão que surgiu, de forma inopinada, sem qualquer aviso, num corredor aéreo utilizado pela aviação comercial, da Europa para a América do Norte, que por pouco não provocou um embate de consequências potencialmente catastróficas.

Tal como balão-espião chinês, a operação a altitudes menos elevadas coloca riscos e motiva perplexidades.

São balões secretos que, manifestamente, insistem em fazer-se visíveis.

Pedro Basto de Almeida

(Maio 2023)

 

 

 

[i] “UFO, the government files”, Peter Brookesmith, Barnes & Noble, New York, 1996, páginas 154 e 162.

[ii] Idem, páginas 17 e 18.

[iii] “À descoberta dos OVNI”, Edições António Ramos, Lisboa, Abril de 1977, páginas 78 e 79.