A publicação do relatório da equipa independente de estudos da NASA sobre UAP (unidentified anomalous phenomena), a 14 de Setembro de 2023, causou uma espécie de anticlímax na comunicação social, por não revelar qualquer novo material espectacular sobre OVNI e extraterrestres.

Apenas no domínio das teorias da conspiração os organismos públicos, muito em particular os norte-americanos, sabem tudo quanto há por saber sobre as actividades extraterrestres no planeta Terra e arredores, dedicando-se a filtrar a informação que vão revelando aos comuns mortais. Usualmente para melhor os enganar.

Para a investigação séria, objectiva e científica do fenómeno OVNI (dos UAP, vá) o relatório constitui uma reflexão de muito boa qualidade sobre o problema de fundo que sempre nos atormentou: como obter dados fidedignos e exactos que nos permitam deixar de depender da subjectividade do relato dos observadores, ainda que experimentados ?

São múltiplos os contributos úteis, pese embora boa parte não sejam, verdadeiramente, novos.

Pedro Basto de Almeida

O autor, natural de e residente em Lisboa, licenciado em Direito e Advogado, é membro fundador e dirigente do GIFI.

Há, grosso modo, duas ou três maneiras de colocar o problema da relação das organizações públicas – muito em particular as norte-americanas – relativamente aos OVNI / UAP.

A dos homens-de-negro, que é a mais divertida, sexy e cinematográfica.

Aquela segunda a qual os organismos governamentais, particularmente os das áreas da defese, informação e segurança interna não têm na sua natureza a comunicação ao público de informação sobre fenómenos tais como os UAP. Ainda que recolham informação sobre o tema.

E, ainda, a visão segundo a qual os organismos públicos não percebem nada do assunto ou, pelo menos, sabem tão pouco como todos os demais, comuns mortais. Isto é, pouco ou nada.

Afastemos as teses conspirativas, dada a pura e simples inexistência de provas sólidas que as sustentem. Aliás, muito curiosamente, têm sido organizações do Estado norte-americano quem, na última década ou pouco mais, tem vindo a trazer sistematicamente a público informação muito relevante acerca dos UAP. E quanto ao desconhecimento sobre o tema, começam seriamente a dar-se passos no sentido contrário, pela primeira vez após o Project Blue Book, de 1969.

Claro está que poderíamos (e poderemos, noutro momento) discutir e aprofundar todos estes temas. Contudo, no imediato há uma base muito concreta e, como veremos, potencialmente útil, de reflexão: o relatório da equipa independente de estudos da NASA sobre UAP (unidentified anomalous phenomena), divulgado a 14 de Setembro de 2023 (Ver aqui).

Procurando sintetizar o relatório, são as seguintes as suas linhas de força:

  • Qualidade de informação:

O estudo dos UAP sempre foi altamente perturbado pela falta de informação de qualidade sobre o fenómeno, particularmente por força da sua subjectividade. O investigador sistematicamente chega atrasado, pois não observa o ocorrido, não tem forma de repetir experimentalmente o sucedido e fica dependente, em primeira linha, da descrição das testemunhas. Já Werner von Braun, a quem devemos os foguetões que permitiram ao homem chegar à Lua, exactamente sobre os OVNI dava como exemplo os relatos parcelares e tantas vezes contraditórios dos especialistas que, numa época em que escasseavam sensores e computação, tinham como missão relatar a sua observação do lançamento de foguetes, na esperança de se identificarem as causas de falhas e desastres.

A proliferação de instrumentos de fotografias e filmagem, hoje em dia plasmada nos nossos omnipresentes smartphones, não trouxe praticamente nenhuma informação útil adicional para a compreensão dos UAP.

A conclusão a retirar é a de que não chega dispormos dos equipamentos, é fundamental que os mesmos estejam devidamente calibrados e sintonizados para captarem informação útil sobre os UAP. E, como bem sublinha o relatório, precisamos da capacidade efectiva para analisar e retirar utilidade dessa informação de qualidade, para o que actualmente dispomos do machine learing e da inteligência artificial.

Acresce ainda uma nova abordagem, virada para se procurar activamente informação sobre UAP, ao invés de se depender de relatos obtidos casual e inesperadamente.

  • Disponibilidade de informação:

O relatório sublinha existir já tecnologia que, sendo, adequadamente direccionada, poderá servir o propósito de disponibilizar informação de qualidade sobre os UAP, seja esta baseada nos satélites da NASA de observação da Terra e na sua experiência no tratamento de informação multi e hiperespectral, seja obtida através da troca de informação com outras agências públicas norte-americanas, seja também a resultante dos diversos tipos de sensores detidos por empresas privadas e por organizações não lucrativas. Lembra ainda o relatório a necessidade de se dispor de metadados que permitam dar contexto e ambiente aos dados que venham a ser recolhidos sobre UAP.

Uma outra pista do relatório refere-se ao recurso a informação sobre UAP obtida através dos reportes regulares da aviação civil, o que naturalmente coloca o problema da integração adequada desta informação específica nos relatórios dos pilotos, mas também, dizemos nós, ultrapassar-se a sedimentada resistência em publicitar relatos suceptíveis de gerar no público desconfiança quanto à segurança do transporte aéreo.

Por fim, é aberta a porta ao concurso de múltiplas equipas de investigação, o que significa repor o tema de uma rede privada e pública de recolha de informação sobre o fenómeno. A novidade seria proporcionar um contexto cientificamente válido de recolha e integração das bases de dados, o que, julgamos, exige antes de mais estandardizar correctamente os relatórios.

  • Tratamento da informação:

Para além da já referida necessidade de recurso aos mais avançados meios de computação actualmente disponíveis, o relatório realça ainda a experiência da NASA e de outros cientistas da área espacial na análise e interpretação de dados especialmente complexos, para os quais não dispomos de bases de apoio prévias. Lembre-se, como exemplo simples e impressivo, a rápida evolução nas últimas décadas da identificação e estudo de exoplanetas através de meios de detecção e análise essencialmente indirectos.

O estabelecimento de linhas de análise prévias, permitindo distinguir UAP e fenómenos de outro tipo, é outra pista que o relatório adianta. As acelerações e velocidade anómalas, devidamente comprovadas, facilmente separam os UAP do que, sendo convencional, possa estar a ser erradamente interpretado.

Já o dizemos há tanto tempo: se permite uma observação durante minutos e se desloca numa trajectória linear, muito, mas mesmo muito dificilmente poderá ser um OVNI.

  • Credibilizar a informação:

A NASA propõe-se contribuir para que a informação sobre UAP tenha dignidade científica, motivado um interesse público mais saudável quanto ao fenómeno e, igualmente, uma maior disponibilidade das testemunhas para adiantarem os seus relatos, muito em particular as que se encontram, por razões científicas e técnicos, em melhores condições para produzirem relatos de qualidade.

Tudo isto não pode deixar de entusiasmar quem se dedica ao estudo do fenómeno OVNI há várias décadas, que na maior dos casos deixou de fazer verdadeira investigação de campo em resultado da frustração que é trabalhar-se as mais das vezes com informação sem um mínimo de qualidade, sem esquecer a extrema raridade dos UAP que merecem esse qualificativo, após um estudo sério.

As questões e hipóteses colocadas pela NASA andam na mente dos investigadores privados, que seguem a abordagem céptica e do método científico, há muitíssimos anos. É muito bem vindo este acolhimento por uma organização pública de primeira linha no domínio do espaço, com enorme credibilidade internacional.

Sem querermos torpedear esta nova esperança, não resistimos a contar uma pequena história, de 2004. Estava o GIFI a realizar uma investigação de campo, sobre uma observação que deu bastante brado público, de algo que tudo levava a crer tratar-se de um meteoro, mas que se dizia ter sido captado por radares da aviação civil e do sistema militar, quando durante uma conversa institucional com um oficial da força-área, em que nos confirmava nada ter sido captado, fomos surpreendidos com um desafio: se quem estuda o fenómeno nos disser como poderemos calibrar os nossos radares, talvez possamos passar a conseguir captar nos mesmos um fenómeno OVNI.

Em 2004 não tinha resposta e hoje, francamente, contínuo a não ter. Será que a NASA pode (e quer) dar este salto gigantesco para a ovnilogia?